quinta-feira, 21 de outubro de 2010

1º Seminário de Neurociencias e Educação



Diante da complexidade dos fenômenos educacionais, da importância do pluralismo de opiniões e da necessidade de oferecer elementos que contribuam para o desenvolvimento social, o evento tem como objetivos:

- gerar espaço para divulgar conhecimento na área da Neurociência aplicada è Educação, tendo como fundamento a produção científica nacional e internacional advinda de estudos teórico-práticos desenvolvidos;

- fomentar a reflexão e a discussão a respeito da relação neurociência e educação;

- contribuir para o desenvolvimento da pedagogia neurocientífica, o que pode influenciar significativamente o campo teórico-prático da formação de professores;

- promover a integração científica com demais comunidades acadêmicas que desenvolvem estudos nesse campo

Dias 28 e 29 de Outubro 2010 - FURG

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A educação muda o cérebro


"A educação muda o cérebro", de Roberto Lent


O cérebro é mutante, e não estático! Responde aos estímulos ambientais não apenas com operações funcionais imediatas, mas também com alterações de longa duração, algumas das quais podem se tornar permanentes. Emergiu o conceito de neuroplasticidade, que sintetiza essa capacidade dinâmica, mutante, transformadora.

Roberto Lent*

Nos últimos dez anos, uma profunda transformação conceitual ocorreu na neurociência: caiu por terra a ideia de que o nosso cérebro é todo formado durante a vida embrionária, nada mais restando após o nascimento senão aproveitar as nossas capacidades congênitas para aprimorá-las.

Essa concepção conservadora do cérebro como um órgão rígido, pré-formado sob estrita ordenação genética, agride o senso comum, mas possivelmente se cristalizou no século 20 pela grande influência de Santiago Ramón y Cajal (1832-1934), pesquisador espanhol que estabeleceu a doutrina do neurônio como unidade básica do sistema nervoso.

Cajal analisou ao microscópio – e revelou ao mundo por meio de belíssimas ilustrações a bico de pena que ele mesmo fazia – milhares de neurônios de variadas formas, e centenas de circuitos neurais de diferentes composições, em cérebros de diversas espécies de animais, inclusive humanos.

Dotado de forte espírito imaginativo, Cajal viu além das formas que desenhou, propondo mecanismos e funções para os neurônios e seus circuitos. Apesar disso, via formas, mapas, circuitos. Talvez por essa razão, opinou sempre que o sistema nervoso adulto seria rígido e invariante. Um paradoxo, tendo em vista a grande flexibilidade comportamental e cognitiva de que somos todos dotados.

A segunda metade do século 20, entretanto, trouxe novas técnicas capazes de revelar não apenas o mapa dos circuitos neurais, mas seu funcionamento dinâmico, dentro do cérebro vivo, no animal ou na própria pessoa em plena ação. Foi possível registrar os sinais emitidos por neurônios isolados, grupos de neurônios ou regiões inteiras do cérebro, relacionados a funções corporais, comportamentos e até sensações, sentimentos e operações cognitivas.

O CÉREBRO MUTANTE

Resultou desse esforço de pesquisa uma nova concepção: o cérebro é mutante, e não estático! Responde aos estímulos ambientais não apenas com operações funcionais imediatas, mas também com alterações de longa duração, algumas das quais podem se tornar permanentes. Emergiu o conceito de neuroplasticidade, que sintetiza essa capacidade dinâmica, mutante, transformadora.

A neuroplasticidade implica mudanças na transmissão de informações entre os neurônios, tornando alguns mais ativos, outros menos, de acordo com as necessidades impostas pelo ambiente externo e pelas próprias operações mentais.

Ao conversar com alguém, é preciso que você mantenha na sua memória por algum tempo as frases que emitiu e os assuntos que abordou. No dia seguinte, talvez isso não seja tão necessário. Essa é a chamada memória operacional, de curta duração, baseada apenas na persistência das informações nos circuitos neurais durante minutos ou horas. Os informatas a chamariam de memória RAM do cérebro.

Fenômenos neuroplásticos mais duradouros ocorrem com o treinamento e a aprendizagem. Nesses casos, os circuitos neurais envolvidos tornam-se fortes e permanentes. O hardware cerebral se modifica, com a emergência de novos circuitos entre os neurônios e o fortalecimento daqueles mais utilizados.

A informação obtida persistirá durante muito tempo, às vezes durante toda uma vida. Quem não lembra até a morte o nome de sua mãe, a data do seu aniversário, o primeiro beijo apaixonado, ou como andar de bicicleta e amarrar o sapato?

NEUROPLASTICIDADE E EDUCAÇÃO

Se o cérebro é plástico, mutável, como poderíamos aplicar esse conceito na educação? Não é a educação a prática social que objetiva mudar as pessoas, capacitá-las a realizar tarefas e comportamentos, ensiná-las a executar operações mentais sofisticadas e complexas e viver em sociedade segundo normas vantajosas para a coletividade? Mudar as pessoas é mudar o seu cérebro. Sendo assim, existiria uma ciência da educação? Neuroeducação? Em outras palavras: de que modo os avanços da neurociência poderiam ser aplicados na educação?

Muitos neurocientistas trabalham para esclarecer e viabilizar essa possibilidade, e já aparecem alguns resultados de pesquisa que nos autorizam a pensar em mecanismos cerebrais específicos envolvidos com os diversos aspectos relevantes para a educação.

Há poucos meses, a Fundação Dana, uma organização privada norte-americana dedicada a apoiar a ciência, a saúde e a educação, com ênfase particular na neurociência, lançou o número de 2010 de “Cerebrum”, um livro anual que debate os avanços e perspectivas dessa disciplina. Nessa edição, sobressai uma interessante discussão com vários especialistas sobre as relações entre as ciências do cérebro e a educação. Dentre os resultados relatados e discutidos nesse livro, dois me chamaram a atenção.

O primeiro refere-se ao processo conhecido como transferência próxima. São experimentos realizados por um grupo de neurocientistas liderados por Gottfried Schlaug e Krista Hyde, do Instituto de Neurologia de Montreal, no Canadá, e da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

O grupo de pesquisadores acompanhou durante 15 meses crianças de 6 anos de idade sob treinamento musical, comparadas a outras sem essa atividade. Mesmo nesse curto período foi possível detectar alterações cerebrais estruturais nas regiões motoras envolvidas com os instrumentos musicais empregados (teclados), nas regiões auditivas e no circuito de integração entre os dois hemisférios cerebrais.

A neuroplasticidade estrutural no cérebro de músicos adultos já havia sido demonstrada anteriormente, mas persistia a dúvida sobre se o fenômeno era causado pelo treinamento ou se esses indivíduos eram previamente dotados de maior volume cortical nas regiões associadas ao processamento musical. No experimento do grupo norte-americano, isso ficou esclarecido, pois o estudo comparou as imagens obtidas antes e depois de um treinamento musical de 15 meses.

O termo transferência próxima, utilizado acima, pode agora ser entendido: refere-se ao efeito do treinamento sobre regiões funcionais relacionadas à função aprendida. Nesse caso, as regiões motoras e auditivas são obviamente relacionadas à aprendizagem musical.

O segundo grupo de resultados é mais impressionante, mas menos bem documentado cientificamente. Aborda um processo mais sofisticado chamado transferência distante. Aqui, a influência do treinamento (educação) se dá sobre funções menos relacionadas (distantes).

Uma avaliação do estado-da-arte nesse aspecto da neuroplasticidade foi feita em “Cerebrum 2010” por Michael Posner, professor emérito da Universidade de Oregon, e especialista nos mecanismos neurobiológicos da atenção.

O sistema em questão, neste caso, é o sistema atencional do cérebro, por meio do qual somos capazes de focalizar nossas operações cognitivas sobre um único alvo, e desse modo realizá-las de forma mais eficiente.

A ideia subjacente é que o treinamento focalizado em uma forma de arte que atraia fortemente o interesse de uma criança – música, dança, teatro – fortaleceria o sistema atencional do cérebro, repercutindo positivamente na cognição em geral. Para aprender, é preciso prestar atenção. E pode-se aprender a prestar atenção.

EFEITO MOZART

Um primeiro experimento feito com essa perspectiva foi publicado em 1993 na revista “Nature”, e ficou conhecido como “efeito Mozart”. Os autores do estudo sustentaram que estudantes universitários expostos à música erudita por breves períodos de tempo (Mozart, especialmente) melhoravam suas habilidades de raciocínio espacial, também temporariamente. Os resultados causaram sensação, na época, mas jamais foram reproduzidos por grupos independentes de pesquisadores.

Mais recentemente, as tentativas de reproduzir esse efeito empregaram tempos maiores de exposição e treinamento musical ativo. Neste caso, alguns resultados mais animadores começaram a aparecer. Em 2004, o grupo de E. Glenn Schellenberg, da Universidade de Toronto (Canadá) relatou que crianças participantes de um programa de treinamento musical durante um ano apresentavam um aumento do seu QI, em comparação com crianças que não participaram do treinamento.

É verdade que o QI costuma ser criticado como medida comparativa da inteligência. No entanto, no estudo em questão, o mesmo teste era realizado longitudinalmente nas mesmas crianças, antes e depois do treinamento.

A transferência distante ainda é um fenômeno mal demonstrado, e a busca por demonstrá-lo atrai o interesse dos neurocientistas e psicólogos, pela sua óbvia repercussão em educação.

Será que chegaremos algum dia a poder orientar os sistemas educacionais segundo princípios científicos, mais do que segundo a nossa intuição de pais e professores?

* Professor de Neurociência no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fonte: Ciência Hoje On-line

sábado, 12 de dezembro de 2009

ESQUECER É FUNDAMENTAL PARA UMA BOA MEMÓRIA!

Independente do objetivo, o número de pessoas preocupadas em otimizar o potencial da memória não é pequeno. Alguns pretendem passar no vestibular, outros almejam vencer as barreiras dos concursos públicos em busca de trabalho, ainda existem aqueles que querem somente fazer bem uma prova da escola. A questão é que todos apostam na eficácia da memória para atingir objetivos, sejam eles acadêmicos ou profissionais.

Apesar desse desejo de se ter uma boa memória e das várias receitas para se conquistar isso, o fato é que esse campo ainda não é plenamente conhecido e, então, muitas pesquisas e estudos têm sido feitos sobre os processos de memória. O processo de memorização é complexo, envolvendo sofisticadas reações químicas e circuitos interligados de neurônios.

A partir desses estudos sabe-se que a memória é o meio pelo qual uma pessoa recorre às suas experiências passadas a fim de usar essas experiências no presente. A memória, de acordo com Crowder (1976 citado por Sternberg 2000), refere-se aos mecanismos dinâmicos associados à retenção e à recuperação da informação sobre a experiência passada. Os psicólogos cognitivos revelam que nesse processo mnemônico são identificados, segundo Sternberg (2000), três operações comuns: codificação, armazenamento e recuperação. Assim, na codificação, dados sensoriais são transformados numa forma de representação mental; já no armazenamento, a pessoa conserva a informação codificada na memória; e na recuperação o indivíduo extrai ou usa a informação armazenada na memória.

Além disso, é sabido também, que o armazenamento de informação na memória acontece a curto e a longo prazo. O armazenamento a curto prazo refere-se à manutenção ou retenção da informação por alguns segundos, como quando se olha um número de telefone no catálogo e imediatamente após a discagem ele é apagado da memória. Já no armazenamento a longo prazo conteúdos que são guardados na memória permanecem durante longos períodos de tempo ou mesmo indefinidamente.

Dentre esses estudos e informações sobre a memória, atualmente um aspecto, que em princípio parece controverso em meio a esse tema, tem sido discutido com afinco. Tal aspecto refere-se à importância do esquecimento para a memória. Assim, segundo revelou reportagem da Revista Época de setembro de 2004, para expandir a capacidade de processamento é fundamental saber se livrar do que não interessa, ou seja, esquecer o que não é importante.

Se o espaço do cérebro é finito, então é preciso priorizar compromissos ou evitar o excesso de tarefas e atos automáticos. Caso uma pessoa lembrasse de tudo o que se passa com ela o tempo todo, sem dúvida ela teria comprometimentos em outros aspectos funcionais de sua memória. Essa pressuposição pode ser exemplificada pelo filme 'O Memorioso' em que o personagem nunca esquecia, recordando-se de todos os detalhes de tudo o que via o dia inteiro. Por causa disso, não era capaz de analisar as memórias ou compará-las com outras. O esquecimento, então, não permite o acúmulo de arquivos com informações inúteis que atrapalhariam o raciocínio avançar.

De acordo com o Dr. João Roberto D. Azevedo, responsável pelo site www.ficarjovemlevatempo.com.br, se não houvesse o processo de esquecimento nossa capacidade de adaptação ficaria prejudicada. Se nossa memória ficasse conservada indefinidamente, um comportamento considerado correto há 10 anos poderia ser incorreto na atualidade. O processo de esquecimento, desta maneira, nos ajuda na orientação do tempo.

Além do esquecimento, algumas atividades também são importantes para estimular e potencializar a memória. O estilo de vida ativo, com atividade física feita com regularidade, uma dieta saudável, diminuição do estresse e ansiedade são fundamentais para a manutenção da memória.

Os exercícios cerebrais, chamados por especialistas de 'Fitness' cerebral ou 'Neuróbica' também são muito bons e até prazerosos. Esses exercícios visam a estimulação sensorial, olfato, paladar, tato, visão e audição, através da quebra da rotina, como por exemplo, escovar os dentes com a mão contrária à dominante, ou mesmo fazer um trajeto diferente para ir ao trabalho ou à escola. E finalmente, acrescentando a esses exercícios, a simples leitura desponta como a melhor forma de estimulação da memória. Iván Izquierdo alerta que nenhuma atividade mobiliza tantas variedades de memória quanto a leitura. A leitura, segundo esse neurocientista, põe em prática a memória das letras, a memória verbal e a memória da imaginação.

Adaptação do Texto da autora Denise Mendonça de Melo
é psicóloga, formada pelo
Centro de Ensino Superior
de Juiz de Fora

sábado, 5 de dezembro de 2009

Por que somos Cegos?


A reportagem publicada na Revista Mente e Cérebro, Edição de dezembro/2009 -pág 51 trata de como nosso cérebro funciona de maneira personalizada: estudos de neuroimagem comprovam que a dinâmica neural varia conforme a idade, o sexo, o nível cultural e experiências de vida de cada um. As pessoas podem chegar à resolução de uma questão, no mesmo tempo, acionando áreas cerebrais diferentes. Nossa forma de ser inteligente é única, quase como se fosse uma "neuroimpressão digital". Cada um tem sua forma peculiar de ver (e consequentemente de interpretar o mundo!)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

MAPA CONCEITUAL





Você já ouviu falar sobre mapas conceituais? A teoria a respeito dos Mapas Conceituais foi desenvolvida, nos anos 70, pelo pesquisador norte-americano Joseph Novak [Novak, 2003]. Ele define mapa conceitual como uma ferramenta para organizar e representar conhecimento. O mapa conceitual, baseado na teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel, é uma representação gráfica em duas dimensões de um conjunto de conceitos construídos de tal forma que as relações entre eles sejam evidentes. Os conceitos aparecem dentro de caixas, enquanto que as relações entre os conceitos são especificadas através de frases de ligação nos arcos que unem os conceitos. A dois conceitos, conectados por uma frase de ligação, chamamos de proposição . As proposições são uma característica particular dos mapas conceituais, se comparados a outros tipos de representação, como os mapas mentais.

Para Piaget [Piaget & Garcia, 1989], desde os níveis mais elementares de pensamento há implicações entre significações. Para o caso da construção de mapas conceituais, quando estamos escolhendo uma relação entre dois conceitos (expressa por uma frase de ligação), estamos realizando, em última análise, uma implicação significante. Ele afirma que as implicações significantes evoluem segundo três níveis: implicações locais nos níveis mais elementares, implicações sistêmicas e implicações estruturais, como os níveis mais elevados.


A idéia principal do uso de mapas na avaliação dos processos de aprendizagem é a de avaliar o aprendiz em relação ao que ele já sabe, a partir das construções conceituais que ele conseguir criar, isto é, como ele estrutura, hierarquiza, diferencia, relaciona, discrimina e integra os conceitos de um dado minimundo em observação, por exemplo.

Isso significa que não existe mapa conceitual “correto”. Um professor nunca deve apresentar aos alunos o mapa conceitual de um certo conteúdo e sim um mapa conceitual para esse conteúdo segundo os significados que ele atribui aos conceitos e às relações significativas entre eles. Da mesma maneira, nunca se deve esperar que o aluno apresente na avaliação o mapa conceitual “correto” de um certo conteúdo. Isso não existe. O que o aluno apresenta é o seu mapa e o importante não é se esse mapa está certo ou não, mas sim se ele dá evidências de que o aluno está aprendendo significativamente o conteúdo.


A análise de mapas conceituais é essencialmente qualitativa. O professor, ao invés de preocupar-se em atribuir um escore ao mapa traçado pelo aluno, deve procurar interpretar a informação dada pelo aluno no mapa a fim de obter evidências de aprendizagem significativa. Explicações do aluno, orais ou escritas, em relação a seu mapa facilitam muito a tarefa do professor nesse sentido.


Bibliografia:

Ausubel, D.P. (2003). Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva.


Lisboa: Plátano Edições Técnicas. Tradução de The acquisition and retention of knowledge: a

cognitive view. (2000). Kluwer Academic Publishers.

Gobara, S.T. e Moreira, M.A. (1986). Mapas conceituais no ensino de Física. Ciência e Cultura,

38(6): 973-982.

Moreira, M.A. (1980). Mapas conceituais como instrumentos para promover a diferenciação

conceitual progressiva e a reconciliação integrativa. Ciência e Cultura, 32(4): 474-479.

Moreira, M.A. (1983). Uma abordagem cognitivista no ensino da Física. Porto Alegre: Editora

de Universidade.

Moreira, M.A. e Buchweitz, B. (1993). Novas estratégias de ensino e aprendizagem: os mapas

conceituais e o Vê epistemológico. Lisboa: Plátano Edições Técnicas.

domingo, 1 de novembro de 2009

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Recentemente, se estamos falando em tempo no contexto da educação, o Brasil aprovou uma nova lei de diretrizes e bases da educação, a Lei 9.394 de 20 de Dezembro de 1996, conhecida como LDB ou Lei Darci Ribeiro. Ela estabelece dois níveis para a educação: a educação básica e a educação superior; duas modalidades: a educação de jovens e adultos e a educação especial; e uma modalidade complementar: a educação profissional.

A educação básica é estruturada pela educação infantil —para crianças de 0 a 6 anos—, o ensino fundamental —obrigatório, com oito anos— e o ensino médio, de três anos. A educação superior é constituída de cursos seqüenciais, cursos de graduação e de pós-graduação. A educação profissional é definida como complementar à educação básica, portanto a ela articulada, mas podendo ser desenvolvida em diferentes níveis, para jovens e adultos com escolaridade diversa.

A educação profissional tem como objetivos não só a formação de técnicos de nível médio, mas a qualificação, a requalificação, a reprofissionalização para trabalhadores com qualquer escolaridade, a atualização tecnológica permanente e a habilitação nos níveis médio e superior. A educação profissional deve levar ao «permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva».

2. A educação básica e a educação profissional
A Lei Darci Ribeiro, a LDB, altera a identidade estabelecida para o ensino médio, contida na Lei 5.692/71, cujo 2º grau se caracterizava por uma dupla função: preparar para o prosseguimento dos estudos e habilitar para o exercício de uma profissão técnica. Essa identidade fica alterada quando se determina que a educação escolar, e conseqüentemente o ensino médio, deve vincular-se ao mundo do trabalho e à pratica social (parágrafo 2º do Art. 1º). Esta conotação dá maior abrangência ao segmento ensino médio, somada ao fato de que este segmento do ensino é a etapa final da educação básica, oferecendo agora, de forma articulada, o que antes tinha finalidades dissociadas —uma educação equilibrada, com funções para todos os educandos, pois que prevê:

a formação da pessoa de modo a desenvolver seus valores e as competências necessárias à integração de seu projeto ao projeto da sociedade em que se situa;
a preparação e orientação básica para sua integração no mundo do trabalho, com as competências que garantam seu aprimoramento profissional e permitam acompanhar as mudanças que caracterizam a produção no nosso tempo;
o desenvolvimento das competências para continuar aprendendo, de forma autônoma e crítica, em níveis cada vez mais complexos de estudos.
As considerações gerais sobre a legislação indicam a necessidade de construir novas alternativas de organização curricular, comprometidas, de um lado, com o novo significado do trabalho no contexto da globalização e, do outro, com o sujeito ativo, a pessoa humana que se apropriará desses conhecimentos para aprimorar-se no mundo do trabalho e na prática social.

Há, portanto, necessidade de se romper com os paradigmas tradicionais para que se alcancem objetivos propostos para a educação básica e para a educação profissional. Tornou-se corrente afirmar que o conhecimento é hoje o principal fator da produção. Aprender a aprender coloca-se, assim, como competência fundamental para inserção numa dinâmica social que se reestrutura continuamente. A perspectiva da educação deve ser, pois, desenvolver os meios para uma aprendizagem permanente, que permita uma formação continuada, tendo em vista a construção da cidadania.

Ao preconizar o aprender a aprender, consideram-se as rápidas transformações geradas pelo progresso científico e tecnológico, as novas formas de atividade econômica e social e a decorrente necessidade de uma educação geral suficientemente ampla, mas que possibilite aprofundamento numa determinada área de conhecimento. A educação geral fornece as bases para continuar aprendendo ao longo da vida. Ela é de extrema importância para o desenvolvimento de aptidões que possibilitem enfrentar novas situações, privilegiando a aplicação da teoria na prática e enriquecendo a vivência da ciência na tecnologia e destas no social, por seu significado no desenvolvimento da sociedade contemporânea.

A base nacional comum da educação básica deve conter a dimensão de preparação para o trabalho, de tal modo que uma sentença matemática, expressão do conhecimento científico, possa ser instrumento para a solução de um problema concreto, dando conta da etapa de planejamento, gestão ou produção de um bem, do conhecimento ou de um serviço. Do mesmo modo, se a linguagem verbal deve ser valorizada quando aplicada à expressão estética, à apreciação de um texto jornalístico, informativo ou opinativo, ela serve também à compreensão de um comando ou instrução clara, precisa, objetiva; assim também a Biologia oferece os fundamentos para análise do impacto ambiental de uma solução tecnológica, ou para a prevenção de uma doença profissional. Enfim, não há solução tecnológica sem uma base científica e, por outro lado, soluções tecnológicas podem propiciar a produção de um novo conhecimento científico.

Essa educação geral, que permite tanto buscar e criar informações como usá-las para solucionar problemas concretos, é preparação para o trabalho e para o exercício da cidadania. Na verdade, qualquer competência requerida no exercício profissional, seja ela psicomotora, sócio-afetiva ou cognitiva é um refinamento das competências básicas. Essa educação geral permite a construção de competências que se traduzem em habilidades básicas, técnicas ou de gestão.

Dentro dessa concepção de educação, as competências e habilidades requeridas são as mesmas para atingir os objetivos primordiais, sejam elas o desenvolvimento pessoal e da cidadania, a preparação básica para o mundo da produção e o domínio dos instrumentos para continuar aprendendo.

3. A proposta brasileira e os modelos vigentes
As opções de educação secundária mais freqüentemente adotadas pelos sistemas educacionais podem ser divididas em três grupos básicos, com algumas variantes dentro de cada um deles.

A primeira categoria é aquela que estabelece duas vias, uma no sentido do prosseguimento de estudos e outra no sentido de preparação para o trabalho, sem equivalência entre elas. Esta é a opção alemã e da última reforma educativa espanhola, por exemplo.

A segunda categoria busca conciliar todas as vertentes através de uma multiplicidade de ofertas bastante diferenciadas entre si, mas com equivalência para fins de prosseguimento de estudos, como é o caso dos modelos francês, austríaco e português.

A terceira via, que se vem configurando mais recentemente, propõe uma educação geral com uma forte presença do segmento científico e tecnológico e a complementaridade da educação profissional, em escolas ou nas empresas: tendências da educação secundária argentina e, de forma especial, da israelense.

Esta última categoria é a que mais se identifica com a proposta brasileira, desde que:

a educação geral seja concebida como educação de base científica e tecnológica, onde conceito, aplicação e solução de problemas concretos sejam combinados a uma revisão do papel dos componentes socioculturais, que por sua vez devem ter uma visão epistemológica que concilie humanismo e tecnologia ou humanismo numa sociedade tecnológica. O desenvolvimento pessoal deve permear a concepção dos componentes científicos, tecnológicos, socioculturais e de linguagens. Assim também o conceito de ciências deve estar presente nos demais componentes —numa concepção de que a produção do conhecimento é situada sócio, cultural, econômica e politicamente num espaço e num tempo determinados. Enfim, a concepção curricular deve ser interdisciplinar e contextualizada, transdisciplinar e matricial, de forma que as marcas das linguagens, das ciências, das tecnologias, da história, da sociologia e da filosofia estejam presentes em todos os componentes, intercruzando-se e construindo uma rede onde o teórico e o prático, o conceitual e o aplicado, aprender a conhecer, aprender a conviver, aprender a ser e aprender a fazer estejam presentes em todos os momentos;
na preparação para o prosseguimento dos estudos, competências e habilidades sejam construídas objetivando o processo de aprendizagem e não o acúmulo de informações e de esquemas resolutivos preestabelecidos;
a educação profissional como qualificação ou habilitação para o exercício de uma atividade profissional seja complementar e dependente da educação geral, podendo ser feita em escolas ou no ambiente de trabalho, mas assentada nas competências construídas na educação geral.
O Brasil optou por esta terceira categoria. Rompeu com um modelo que preconizava a solução conciliatória entre os objetivos de preparar para o prosseguimento de estudos e a formação para o trabalho num ensino de segundo grau profissionalizante. A educação profissional foi definida como complementar a uma vertente ao mesmo tempo terminal e propedêutica.

4. A nova legislação brasileira
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9.394/96, se constitui num marco para a educação profissional. As leis de diretrizes e bases anteriores, ou as leis orgânicas para os níveis e modalidades de ensino, sempre trataram da educação profissional apenas parcialmente. Legislaram sobre a vinculação da formação para o trabalho a determinados níveis de ensino, como educação formal, quer na época dos ginásios comerciais e industriais, quer posteriormente através da Lei 5.692/71, com o segundo grau profissionalizante.

Na atual lei, o Capítulo III do Título V —«Dos níveis e das modalidades de educação e ensino»— é totalmente dedicado à educação profissional, tratando-a na sua inteireza, como parte do sistema educacional. Neste novo enfoque a educação profissional tem como objetivos não só a formação de técnicos de nível médio, mas a qualificação, a requalificação, a reprofissionalização de trabalhadores de qualquer nível de escolaridade, a atualização tecnológica permanente e a habilitação nos níveis médio e superior. Enfim, regulamenta a educação profissional como um todo, contemplando as formas de ensino que habilitam e estão referidas a níveis da educação escolar no conjunto da qualificação permanente para as atividades produtivas. Embora a lei não o explicite, a educação profissional é tratada como um subsistema de ensino.

Mais uma vez aparece na Lei de Diretrizes e Bases, no Art. 39, a referência ao conceito de «aprendizagem permanente». A educação profissional deve levar ao «permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva». E mais uma vez, também, destaca a relação entre educação escolar e processos formativos, quando faz referência à integração entre a educação profissional e as «diferentes formas de educação», o trabalho, a ciência e a tecnologia. O parágrafo único deste artigo e os artigos 40 e 42 introduzem o caráter complementar da educação profissional e ampliam sua atuação para além da escolaridade formal e seu locus para além da escola. Finalmente, estabelece a forma de reconhecimento e certificação das competências adquiridas fora do ambiente escolar, quer para prosseguimento de estudos, quer para titulação, de forma absolutamente inovadora em relação à legislação preexistente.

Essas disposições, regulamentadas pelo Decreto 2.208, de 17 de Abril de 1997, trazem mudanças significativas para a nossa tradição de educação profissional, principalmente para o ensino técnico.

Este Decreto descreve os objetivos da Educação Profissional dentro dos pressupostos apresentados, prescrevendo que esta modalidade de educação é um ponto de articulação entre a escola e o mundo do trabalho; que tem a função de qualificar, requalificar e reprofissionalizar trabalhadores em geral, independente do nível de escolaridade que possuam no momento do seu acesso; que ela habilita para o exercício de profissões quer de nível médio, quer de nível superior; e, por último, que ela atualiza e aprofunda conhecimentos na área das tecnologias voltadas para o mundo do trabalho.

De acordo com os objetivos estabelecidos, define os níveis da educação profissional: básico, destinado a trabalhadores jovens e adultos, independente de escolaridade, com o objetivo de qualificar e requalificar; um segundo nível, o técnico, para alunos jovens e adultos que estejam cursando ou tenham concluído o ensino médio; e o terceiro, nível tecnológico, que dá formação superior, tanto graduação como pós-graduação, a jovens e adultos.

Isso posto, o Decreto trata da organização curricular. O nível básico, como educação não formal, qualificante mas que não habilita, não deve ter base curricular estabelecida formalmente. A educação profissional de nível técnico tem organização curricular própria, independente do currículo do ensino médio. Assim sendo, esta modalidade de educação profissional será sempre concomitante ou posterior à conclusão do ensino médio, mantendo, contudo, vínculo de complementaridade.

Resumindo: a educação básica mantém uma relação de complementaridade com a educação profissional, que deve qualificar «jovens e adultos com capacidades e habilidades gerais e específicas para o exercício de atividades produtivas». Esta capacitação objetiva, em níveis diferentes: qualificar, reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos com qualquer nível de escolaridade; habilitar profissionais matriculados ou egressos do ensino médio ou da educação superior; especializar e aperfeiçoar profissionais em áreas afins.

Grande parte dos perfis profissionais propostos pelo setor produtivo apresenta características muito vinculadas à formação geral do trabalhador, no sentido de que ele tem que ter uma forte base humanística, científica e tecnológica e competências para tomada de decisão, para o trabalho em grupo e para se adequar às constantes mudanças que se processam no mundo do trabalho. A educação profissional precisa ser, portanto, sempre complementar à educação básica, tanto no nível básico onde o aluno pode até não ter a escolaridade obrigatória completa, mas deve melhorar suas habilidades básicas e ser estimulado à conclusão do ensino fundamental regular ou supletivo, quanto nos níveis técnico ou tecnológico, para os quais é exigida a conclusão do ensino médio.

Após definir esse vínculo com a educação básica, o Decreto 2.208/97 admite o aproveitamento de até 25% do total da carga horária obrigatória do ensino médio, desde que essas horas tenham sido dedicadas à formação geral que mantenha vínculos com competências e habilidades requeridas na habilitação profissional que o aluno venha eventualmente a cursar. Assim, por exemplo, os princípios de matemática financeira, ou estudos de língua portuguesa mais voltados para uma redação formal, o domínio de uma língua estrangeira, ou ainda, algumas noções básicas de direito do trabalho; enfim, aquilo que, compreendido como parte da educação geral do indivíduo, já estabelece uma ponte com a educação profissional, poderá ser na educação profissional considerado como currículo cumprido.

Outro aspecto regulamentado é o que estabelece responsabilidades quanto à estrutura curricular, ou seja, a quem compete o que na organização da estrutura curricular para a Educação Profissional. A União, através do Conselho Nacional de Educação, por proposta do Ministério da Educação, estabelece diretrizes curriculares nacionais que devem descrever competências e habilidades básicas, por áreas do setor produtivo, e indicar a carga horária mínima necessária para a obtenção de uma habilitação profissional em cada uma dessas áreas. Aos sistemas de ensino federal e estaduais cabe estabelecer o currículo básico, deixando, no caso da educação profissional, 30% da carga horária mínima para que as escolas possam renovar permanentemente seus currículos, independente de prévia autorização de qualquer órgão normativo —o que deverá agilizar as adequações da escola às demandas colocadas pelo avanço do conhecimento e pelas transformações do setor produtivo.

Um outro aspecto inovador, no mesmo caminho da flexibilidade, é a possibilidade de organização curricular por módulos, que implica a possibilidade de saídas intermediárias e viabiliza uma educação recorrente.

Além disso, o Decreto 2.208/97 frisa que é necessária a criação de mecanismos institucionais permanentes para fomentar a articulação entre escolas, trabalhadores e empresários, ou seja, para que os setores educacionais e produtivos atuem organicamente no sentido de definir, estabelecer e rever as competências necessárias às diferentes áreas profissionais.

A atual LDB determina que as habilitações de técnico de nível médio tenham validade nacional. Para evitar estrangulamento de processos para a abertura de novos cursos em busca da aprovação do Conselho Nacional de Educação, o Decreto prevê a criação de currículos experimentais, aprovados pelo sistema de ensino competente, os quais, após avaliação e aprovação dos resultados pelo Ministério da Educação, ouvido o Conselho Nacional de Educação, poderão ser regulamentados, conferindo validade nacional a seus diplomas.

A LDB prevê e o Decreto regulamenta a criação de mecanismos de certificação de competências pelos sistemas federal e estaduais de ensino. Essa medida faculta ao trabalhador, no exercício de uma atividade profissional, receber um certificado de reconhecimento das suas competências, obtido através de exame, mesmo sem ter a escolaridade formal correspondente. Entretanto, para ser habilitado como técnico, ele deverá necessariamente ter concluído ou concluir o ensino médio.

5. Organização curricular
Os princípios norteadores da educação profissional devem ser a flexibilidade e a laborabilidade.

O Art. 7º do Decreto 2.208/97 estabelece que «para a elaboração das diretrizes curriculares para o ensino técnico deverão ser realizados estudos de identificação do perfil de competências necessárias às atividades requeridas, ouvidos os setores interessados, inclusive trabalhadores e empregadores».

A abordagem das atividades produtivas que constituem o mundo do trabalho leva a identificar três grandes segmentos: produção de bens, produção de conhecimentos e produção de serviços. Essas atividades produtivas são as bases em que se assentam as diretrizes curriculares nacionais. Cada um desses segmentos —bens, conhecimentos e serviços— tem processos próprios, ou seja, demandam funções específicas, que realizam operações segundo determinadas normas, métodos e técnicas. Os diferentes processos produtivos guardam entre si semelhanças e dessemelhanças, e sobre as semelhanças é que se constituem as grandes áreas profissionais.

Por outro lado, os processos produtivos de cada área profissional se desdobram em funções e sub-funções, e a partir destas últimas é que são identificadas as competências e habilidades, construídas sobre as bases tecnológicas a elas referenciadas.

Portanto, a definição de competências e habilidades e das bases tecnológicas requeridas para a formação de um profissional devem estar embasadas em uma análise do processo produtivo de cada área profissional. A descrição das etapas deste processo, das funções e sub-funções a serem desempenhadas pelos trabalhadores, deve ser objeto de investigação por técnicos em elaboração curricular, articulados com profissionais do setor ou área de produção. O desenho deste quadro permitirá, então, que se estabeleçam as competências, ou seja, as operações mentais —sócio-afetivas, psicomotoras ou cognitivas— que precisam ser desenvolvidas pelos estudantes, numa ótica para a qual saber fazer não é resultado de uma instrução mecanicista, mas de uma construção mental que pode incorporar novos saberes, viabilizando uma requalificação e uma reprofissionalização em função das mudanças econômicas e tecnológicas.

Os projetos curriculares ganham em organicidade, flexibilidade e adequação às atividades produtivas. A normalização nacional será constituída por matrizes construídas por áreas profissionais, e não por cursos ou habilitações, com a descrição das competências e habilidades requeridas aos trabalhadores de cada área. Os sistemas de ensino devem complementar essas matrizes, revestindo-as de características próprias da economia, do avanço tecnológico e da sociedade local. As escolas estabelecerão seus projetos curriculares próprios, por habilitação ou área, por disciplinas ou módulos, com a possibilidade de fazer alterações, sem prévia autorização, em pelo menos 30% da carga horária mínima obrigatória.

Na organização curricular por módulos, os conhecimentos serão agrupados estruturalmente, possibilitando saídas intermediárias e retornos para reorientação e/ou complementação, garantindo maior flexibilidade à educação profissional, permitindo ao aluno cursar um ou mais módulos, receber um certificado de qualificação, ingressar no mercado de trabalho e retornar à escola para complementar o seu curso. Ao final, um conjunto de módulos gerará um diploma de habilitação para os portadores do certificado de conclusão do ensino médio.

A regulamentação estabelecida pelo Decreto 2.208/97 prevê que a educação profissional de nível técnico será complementar ao ensino médio, podendo se dar de forma concomitante ou seqüencial a ele. É necessário, entretanto, que se estabeleça para cada uma das áreas o momento a partir do qual a concomitância poderá se dar em função dos conhecimentos, competências e habilidades da educação geral que são requeridos para o início do curso técnico. Isto será referido, juntamente com a carga horária mínima, quando da descrição de cada área.

É importante ressaltar que o nível básico da educação profissional, ainda que seja educação não formal e, portanto, não sujeita à regulamentação, deve ter na formulação de seus currículos a mesma perspectiva do nível técnico. A metodologia para construção curricular é a mesma; entretanto, deve cuidar também das competências constituídas na educação básica. O fato de não ter vínculos com um nível de escolaridade não quer dizer que não deva preocupar-se com ela. A oferta de cursos do nível básico, quando necessário, deve articular-se com a elevação da escolaridade dos trabalhadores. Programas que melhorem as condições de inserção no mercado de trabalho não podem desconsiderar que a educação básica é condição necessária de laborabilidade.

6. As áreas profissionais
O agrupamento das atividades profissionais em áreas é sempre arbitrária, embora não imotivada. O critério que foi adotado para a construção das áreas baseou-se na análise do processo de produção das diferentes atividades econômicas e das competências cuja construção são requeridas para os profissionais que nelas atuam. O princípio da semelhança do processo produtivo e das competências determinou a agregação das áreas.

A educação profissional precisa ser sempre complementar à educação básica, de caráter geral. Grande parte dos perfis profissionais propostos pelo setor produtivo apresentam características muito vinculadas à formação geral do trabalhador, no sentido de que ele precisa ter uma forte base humanística, científica e tecnológica, e competências para tomada de decisão, para o trabalho em grupo e para a adequação às constantes mudanças que se processam no mundo do trabalho.

Foi desenvolvida, também, uma nova concepção para o ensino médio, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação em Junho de 1998. A constituição de competências cognitivas, afetivas e sociais que promovam o desenvolvimento pessoal e qualifiquem o jovem para o trabalho e para vida em sociedade é a finalidade da educação básica consensuada pela sociedade brasileira, em particular seus educadores, na lei maior que estabelece as diretrizes e bases da educação.

Entendendo que essas finalidades expressam um conjunto de competências que são a base que a educação média deve solidificar e sobre a qual é possível construir com sucesso a identidade, a profissionalidade e a cidadania. O ensino médio integra a educação básica como oportunidade de significar experiências e conhecimentos novos e adquiridos anteriormente para aprender a aprender, a problematizar, a refletir sobre a realidade e a negociar significados com outros. Competências que são as mais necessárias para avançar com sucesso na vida cidadã e nos demais momentos da educação.

7. Articulação da educação profissional com a educação básica
Apesar de situar-se no âmbito da educação geral, o ensino médio não será generalista ou academicista. Ao contrário, as finalidades e características que os anos de conclusão da educação geral vêm assumindo nas sociedades contemporâneas —às quais as normas de organização do ensino médio recém adotadas no Brasil procuram contemplar— requerem que esse nível educativo seja voltado para a constituição de competências cognitivas, afetivas e sociais necessárias tanto para continuar estudando como para ingressar no mundo do trabalho, recomendando que o currículo organize-se de forma a superar a dualidade entre as duas alternativas.

O ensino médio, assim, deve propiciar ao mesmo tempo educação geral e preparação básica para o trabalho. Para que isso seja alcançado, duas condições se fazem necessárias:

a adoção de currículos que sejam concomitantemente:
— diversificados quanto aos conteúdos, focalizando áreas ou núcleos de conhecimento que respondam às necessidades da produção —de bens, serviços e conhecimentos— e dos indivíduos ou grupos de indivíduos;

— unificados quanto às competências cognitivas, afetivas e sociais a serem constituídas com base nesses conteúdos diversificados, de modo a dar educação geral e comum para todos.

a articulação adequada da preparação básica para o trabalho oferecida pelo ensino médio, com a formação profissional destinada a adestrar para funções de trabalho, a ser obtida em estudos posteriores ou diretamente no trabalho. Neste sentido, a preparação para o trabalho no ensino médio será básica:
— porque deverá permitir a apropriação de conhecimentos que são úteis ou necessários para um determinado ramo ou área profissional —daí a necessidade de diversificar os currículos;

— porque levará à constituição de competências que são indispensáveis em todas as profissões —daí a necessidade de centrar e unificar a proposta curricular em torno de competências cognitivas afetivas e sociais gerais.

O pressuposto dessa perspectiva é o de que competências gerais e comuns podem ser constituídas a partir da apropriação de conhecimentos diversificados; portanto, os conteúdos curriculares não são fins em si mesmos mas meios para atender às necessidades que alunos heterogêneos têm de preparação para o trabalho, de acesso à cultura, de compreensão do mundo, de exercício da cidadania.

Articulando-se o modelo de educação profissional com a concepção de ensino médio, é possível identificar os princípios pedagógicos que deverão orientar a organização curricular e a forma de tratamento dos conteúdos de cada um deles.

Nas profissões em geral os conhecimentos e competências de tipo geral e de tipo profissional distribuem-se num mesmo contínuo; a relação entre eles é de concomitância, por um lado, e de afinamento por contextualização, por outro: os primeiros devem ser alcançados por todos os concluintes da educação básica; os segundos, profissionais específicos, são indispensáveis àqueles entre os concluintes da educação básica que escolheram a preparação para uma área profissional específica.

8. A inovação pedagógica
Formação por competências e inovações educacionais. Este é um tema instigante. No Brasil não temos ainda nenhuma experiência de práticas pedagógicas inovadoras na formação por competências. Estamos iniciando um processo de construção de referências curriculares baseadas em competências. Mas esta é uma questão que já nos colocamos: como se dará na escola o processo de educação profissional para estas matrizes referenciais? Não deverá ser o mesmo que temos, com certeza. Deveremos testar possibilidades. Entretanto, temos contato com outros que também vêm pensando nisto. Muito recentemente encontramos referências a alguns trabalhos que trazem reflexões interessantes.

Inicialmente vou seguir o referencial de Perrenoud, apropriando-me de um de seus textos de forma livre1. Um roteiro de sete pontos nos parece muito afinado com a concepção e o trajeto que traçamos para nossa reforma.

8.1. Uma transposição didática baseada na análise do processo de trabalho
A educação profissional deve formar para o processo produtivo, e cada curso está referido a uma área específica da atividade laboral, a um processo de produção. A análise deste processo é o primeiro passo que nos parece ser razoável para a definição de como deve ser a construção das condições de preparação para o exercício de atividades neste processo. O caminho que tomamos foi o de criar uma metodologia de análise dos processos de trabalho que gerasse uma matriz de funções e sub-funções para cada uma das áreas ou famílias profissionais previamente definidas, e em seguida construir uma matriz de competências e habilidades. A análise das semelhanças e diferenças nas competências descritas confirmaria ou alteraria as áreas. Trabalharam nesta etapa alguns poucos professores e profissionais da área sob a coordenação (questionamento e organização) de um consultor. Os professores e o consultor partiam desta matriz para ampliá-la com um quadro dos saberes ou bases tecnológicas envolvidas na construção das competências e habilidades neste momento, e dos saberes ou bases científicas e instrumentais requeridas para a formação profissional.

Com uma matriz preparada seguem-se os seminários de validação que envolvem professores, trabalhadores e empregadores, representações sindicais dos dois últimos e entidades reguladoras e fiscalizadoras do exercício profissional.

Ainda que não houvéssemos tido acesso então ao texto já citado de Perrenoud, tentamos superar ou clarear dificuldades por ele apontadas, tais como:

uma parte dos dirigentes e dos professores pensam conhecer a profissão de dentro e não vêem a necessidade de pesquisa;
uma análise dos processos de trabalho pode denegrir a imagem pública de profissões e ameaçar alguns mitos;
uma área tem uma diversidade difícil de se gerir numa formação que necessita acreditar na unidade das profissões para que ela prepara;
a análise colocaria em evidência faltas e excessos nos planos de formação vigentes;
a explicitação da distância entre uma definição ideal da profissão e sua realidade no mundo do trabalho;
um trabalho de especialistas em comissão que acreditam conhecer a área profissional, uma vez que este trabalho toma tempo e a pressão por definições acaba conduzindo a esta opção.
8.2. A construção de um referencial de competências
O resultado deste processo é uma matriz de competências a serem construídas pelos alunos da educação profissional ao longo de sua formação. O conhecimento da descrição do processo de trabalho não garante uma formação adequada; o que o faz é uma matriz de competências bem construída.

Entendemos por competências os esquemas mentais, ou seja, as ações e operações mentais de caráter cognitivo, sócio-afetivo ou psicomotor que, mobilizadas e associadas a saberes teóricos ou experienciais, geram habilidades ou um saber fazer. Portanto, o conhecimento em profundidade e a análise detalhada das funções do processo de produção permitem especificar que competências devem ter sido construídas por um profissional para realizar uma atividade. Entretanto, estas competências, embora se refiram a esquemas mentais mais globais, devem ser contextualizadas em cada área profissional em uma primeira instância e em cada sub-função profissional na prática pedagógica. O risco que se corre nesta etapa é tentar abstrair tanto que se fique na generalidade ou detalhar tanto que se confunda competência com tarefa.

O referencial de competências deve ser instrumento permanente de trabalho da escola e do professor, sendo entendido como uma linguagem comum e central do processo educativo e não como uma lista abstrata que precisa estar presente no «plano de curso» e no «plano de aula», mas não no cotidiano escolar. Ele deve ser o roteiro permanente para se definir os problemas que serão propostos aos alunos e o parâmetro para a avaliação do processo pedagógico, pelo desempenho do aluno e pela análise do trabalho.

8.3. Um projeto pedagógico organizado em torno de competências
Uma excelente matriz referencial de competências de nada vale se o projeto pedagógico para a formação não for organizado em torno dela. A lógica da educação profissional deve ser a da mobilização para a construção das competências necessárias para a atividade a ser desenvolvida pelos alunos. Este processo garante um aprender a aprender e um aprender a fazer. Daí dizer Perrenoud que «um plano de formação profissional não é o de dar lugar a todos os tipos de disciplinas, mas de implantar dispositivos de formação que permitam construir, realizar e avaliar competências»2.

Isto não quer dizer que nesta formação não há lugar para os saberes, mas sim que eles se mobilizam de fato para os alunos, como tal, se forem incorporados antropofagicamente pela construção e pelo desenvolvimento de competências. Caso contrário, este saber não o é para o aluno. Isto quer dizer que não há uma assimilação prévia dos conteúdos para posterior incorporação e uso; estas coisas acontecem juntas. Não há porque antecipar respostas antes que os alunos elaborem as perguntas. Não há porque dissertar para depois praticar. É num determinado contexto, de forma interdisciplinar, que os conhecimentos se constróem. A problematização do contexto gera a necessidade de conhecimentos, que se reportam a um corpo organizado de saber para resolver o problema, ou seja, para construir um saber fazer.

Um projeto pedagógico de qualidade para a educação profissional deve surgir de um corpo de professores que reconheça às competências, o «direito de gerência» sobre o processo educativo.

8.4. Uma aprendizagem por problemas
Construir uma pedagogia para a educação profissional baseada em competências é superar um currículo concebido como uma seqüência de conteúdos para organizar um desenho curricular baseado em problemas.

Há centros de educação profissional que trilham este caminho de forma radical; sem preparação teórica prévia expõem os estudantes a problemas que devem ser resolvidos, inicialmente simples e fictícios, progredindo mais complexos e reais.

Podemos caminhar nesta direção sem fazer uma mudança tão radical. Poderíamos organizar nossos projetos dando lugar à identificação e solução de problemas. Algumas iniciativas, como o trabalho centrado em empresas virtuais ou em unidades pedagógicas de produção, favorecem o surgimento de questões a serem resolvidas pelos estudantes individualmente ou, de preferência, em grupos. Este procedimento favorece a mobilização de competências e conhecimentos já construídos em novas situações, o que cria um novo quadro referencial que permite o desenvolvimento das competências já adquiridas, a construção de novas e a apropriação de novos conhecimentos.

Identificar carências, lacunas e mobilizar-se para preenchê-las é uma ótima oportunidade para desenvolver estratégias de superação das dificuldades e de busca e seleção de informações. Enfim, precisamos encontrar trajetos pedagógicos que propõem a integração dos recursos em situação real ou realista, com dados faltantes ou aproximativos, conhecimentos incertos, prazos, resistências, desacordos entre profissionais, entraves institucionais.

8.5. Integração das aquisições, seus tempos e seus modos: superando a dicotomia teoria/prática
Das mais complexas questões pedagógicas a maior é a relação teoria/prática. A presença de práticas laboratoriais e estágios finais não supera essa dicotomia. A pedagogia da alternância é uma tentativa de superação melhor que as práticas atuais, que representam um progresso mas não resolvem o problema. A contextualização, a aprendizagem por problemas e a garantia da mesma equipe de formadores nos diferentes espaços e tempos da formação, é a melhor forma de articulação.

As práticas laboratoriais pensam uma integração por demonstração ou aplicação de conhecimentos teóricos já adquiridos, artificializando o processo de trabalho e a própria construção do conhecimento. Os estágios de final de curso, além de partirem dos mesmos princípios, não oferecem oportunidade pedagógica de integração, uma vez que depois dele não há retorno, é o mundo do trabalho. Não há mais tempo para discussão, reflexão e retomada do processo de aprendizagem na escola.

A alternância supera estes princípios, mas não consegue dar conta da desintegração e falta de formação dos formadores. Funciona, por um lado, como aplicação do conhecimento já adquirido e, por outro, como levantamento de dados para os momentos seguintes.

A proposta que fazemos é a da construção de competências e apropriação de conhecimentos no processo controlado, coordenado e estruturado de resolução de problemas reais ou realistas no espaço da construção pedagógica com equipes que tenham-se organizado partindo dos pressupostos acima descritos nos cinco pontos anteriores, e com uma integração baseada no ponto que se segue.

8.6. Uma organização curricular modular e diferenciada
A diversidade é a marca da contemporaneidade, porque temos alunos e necessidades no e do trabalho cada vez mais heterogêneos. Os alunos têm projetos pessoais, trajetos educacionais e experienciais diferentes. A vida civil e o mundo da produção, dentro dela, se complexificaram muito. A diversidade da oferta de trajetos formativos, de desenhos curriculares e de práticas pedagógicas, é a possibilidade de darmos conta da complexidade e da heterogeneidade.

A modularização é, na verdade, uma estratégia de atendermos a esta diversidade. Ela possibilita que numa estrutura escolar, que trabalha com base no coletivo, tenhamos a possibilidade de caminhos diferenciados de formação, saídas intermediárias e recorrência no processo e no projeto individual de formação.

8.7. Professores profissionais e profissionais professores: uma parceria necessária
Como fazer educação profissional sem os profissionais? A parceria entre a escola e o mundo do trabalho é uma necessidade para a concretização desta concepção de educação profissional. Equipes conjuntas da escola e da área de produção devem estar permanentemente laborando para construir um processo de trabalho pedagógico que crie condições de qualidade na formação, sem que isso signifique uma anulação da diferenciação de papéis entre os atores das duas áreas: professores e profissionais. Professores são, acima de tudo, agentes de mobilização, conhecedores do processo de aprendizagem, e, portanto, organizadores deste processo e agentes de sistematização das aprendizagens realizadas. Profissionais das áreas são formuladores de problemas, reguladores do processo e estimuladores de inovações. O planejamento é conjunto. O processo pedagógico deve ser simultâneo, articulado.

9. Não havendo conclusão, mas ainda o que dizer…
Não gostaria que entendessem o que aqui tratamos como um receituário ou um modelo, mas como um roteiro para aprofundamento, experimentação, discussão e revisão. Nestes tempos de mudança precisamos fazer um esforço grande de identificação de questões e de sistematização de propostas para solucioná-las. O nosso texto faz parte deste esforço. Não houve tempo de maturação plena destas idéias. Acredito que se coletivamente fizermos tentativas de aprofundamento, crítica e proposição, poderemos logo construir projetos de prática escolar interessantes para evoluirmos no sentido de encontrarmos uma educação profissional de qualidade.

Notas
(1) PERRENOUD, Philippe. «A qualidade de uma formação profissional é executada primeiramente em sua concepção». Texto de uma intervenção no Encontro dos profissionais da saúde. CEFIEC. Marseille. Novembro de 1997. Tradução para uso como texto de trabalho.

(2) PERRENOUD, Philippe. Op. cit.

VALE A PENA ASSISTIR


Manual de Web 2.0 para o Professor

Manual de Web 2.0 para o Professor
MEC